FATOR V LEIDEN E A SÍNDROME DE BUDD – CHIARI

 

Heloisa Helena Arantes Gallo da Rocha *

 

Sabe-se que os defeitos da coagulação podem levar à sangramentos, mas a existência de fenômenos trombóticos por hereditariedade só tem sido descritos de algumas décadas para cá.

Em 1965 foi descrito o primeiro caso de deficiência hereditária de antitrombina ( AT ) e por muitos anos a deficiência desta proteína anticoagulante foi a única causa possível de trombofilia hereditária(1).

A trombofilia hereditária foi definida como uma tendência, geneticamente determinada de tromboembolismo que ocorre caracteristicamente  antes dos 40- 45 anos sem causa aparente e com tendências a recidivas.

Desde 1980 tem havido uma explosão de novos conhecimentos com a identificação primeiro da deficiência de proteína C ( PC ) como outra causa de trombofilia hereditária e posteriormente de deficiência de proteína S ( PS ).(2,3,4)

Entretanto todos estes três defeitos são responsáveis por menos de 15% dos casos de trombose juvenil e/ ou trombose venosa recidivante(5).

Em 1993 foi observado que amostras de plasma de certos indivíduos com trombofilia hereditária eram resistentes à ação do anticoagulante PC ativado ( APC ) , a protease gerada pelo caminho anticoagulante trombomodulina - PC para inativar o Fator V e VIII (V a e VIII a ) .(6) A resistência à APC está associada com um ponto de mutação no gem  do fator V que causa um estado de hipercoagulabilidade por diminuir a inativação do fator V a pelo APC. (7)Esta  é a causa mais freqüente de trombofilia hereditária, responsável por 20 a 50% dos casos.(8)

Enquanto as alterações para deficiência de AT, PC, PS e resistência APC podem ser encontradas cada uma em um gem, a hiperhomocisteinemia pode ser causada por defeitos em vários genes.

Outras causas hereditárias de trombofilia são mais raras como a disfibrinogenemia e outras ainda não foram bem estabelecidas.

 

A Síndrome de Budd – Chiari é caracterizada por uma obstrução ao fluxo venoso hepático. As causas mais comuns dessa síndrome são as síndromes mieloproliferativas. Outras causas são os estados trombofílicos, o uso de contraceptivos orais e o câncer ( 5  ).

Até há bem pouco tempo os maiores defeitos genéticos que poderiam levar à síndrome de Budd – Chiari eram as deficiências de proteína C, proteína S e antitrombina III, que juntas eram responsáveis por 5 a 10% desses casos. O  defeito na resposta anticoagulante à proteína C ativada como descrito acima, foi detectado como um novo mecanismo para trombofilia em que se demonstrou uma mutação de aminoácidos (substituição da arginina pela glicina) no sítio de clivagem da proteína C , chamado de Fator V Leiden     ( 2) . Posteriormente foram notadas mais raramente outras mutações na proteína C, levando também ao não reconhecimento da mesma para sua inativação. Desde então vários eventos trombóticos como trombose de membros inferiores, embolia pulmonar, pré eclampsia e infartos pulmonares foram descritos em pacientes portadores da resistência a ativação da proteína C ( 1 ).A freqüência dessas informações com relação a síndrome de Budd – Chiari foi descrita há pouco tempo (9 ).

Num trabalho recente (9 ) foram estudados  19 casos de síndrome de Budd – Chiari, com idades variando entre 13 a 45 anos, nos quais exames ultrassonográficos com doppler demonstraram veias hepáticas ocluídas seguidas por confirmação histológica. Foram  feitos estudos com reação de cadeia polimerase (PCR) que demonstraram a presença da mutação chamada Fator V Leiden em 5 pacientes de forma heterozigóticas(26%). Os testes para deficiência de Proteína C, Proteína S e antitrombina III foram negativos ( 9 ).

Devido aos casos de síndrome de Budd – Chiari de uma maneira geral cursarem com grave insuficiência hepática, os testes de coagulação para  pesquisa da mutação Fator V Leiden atualmente são sugeridos. Estes testes devem ser feitos através o estudo do PCR ou a pela simples determinação da  presença da resistência à ativação da  proteína C.

 

 

*Médica Hematologista, Serviço de Hemoterapia do Hospital dos Servidores do Estado RJ.

 

 

 Bibliografia

 

1)     Ben - Tal O, Zivelin A, Sellingsohn U: The relative frequency of hereditary thrombotic disorder among 107 patients with thrombophilia in Israel. Thromb. Haemost. 61: 50-54, 1989.

2)     Bertina R.M, Koeleman, BPC, Koester T, Rosendaal FR, Dirven RJ, de Ronde H, van der Velden PA, Reitsma PH. Mutation in blood coagulation factor V associated with resistance to activated protein C. Nature 369:64, 1994.

3)     Brenner B, Zivelin A, Lanir N, Greengard J, Griffin JH, Selingsohn U. Hereditary thrombofilia as a multigenic disease: Increased thrombotic risk due to  combined hereditary heterozygous protein C deficiency and activated protein C resistance. Thromb. Haemost. 73:942, 1995.

4)     Dahlback. New molecular insights into the genetics os thrombophilia. Resistance to activated protein C caused by Arg(506) to Gln mutation in factor V as a pathogenic risk factor for venous thrombosis. Thromb. Haemost 74:139,1995

5)     Allart CF, Briet E : Familial venous thrombophilia: Haemostasis and Thrombosis ed 3  Londres UK, Churchill Livingstone, 1994, p 1349.

6)     Dahlbach B Carlsson M, Svensson PJ : Familial thrombophilia due to a previously unrecognized mechanism characterized by poor anticoagulant response to activated protein C: Prediction of a cofactor to activated protein C. Proc Natl Acad Sci USA 90:1004, 1993.

7)     Griffin JH et al: Anticoagulant protein C Pathway defective in majority of thrombophilic patients. Blood 82:1989, 1993.

8)     Koster T, Rosendaal FR, Bertina RM: Leiden Thrombophilia Study. Lancet 342: 1503, 1993.

9)     Mohanty D, Shetty S: Factor V Leiden Mutation and Budd- Chiari Syndrome. Blood 92:5, 1838, 1998.